Fotos: Reproduções
Pintura de Hassel Gerritsz sobre a invasão a Salvador em 1624
Albenísio Fonseca

Um site de cultura
09 maio 2017 2 Comentários
em Câmara Municipal de Salvador, Cena Brasileira, Globologia, Livros, Notícias e política, Organizações, Religião, Salvador 500, Urbanidades Tags:1624, baía de todos os santos, Bahia, Invasão dos holandeses à Bahia, Invasão holandesa, União Ibérica
Albenísio Fonseca
19 fev 2015 Deixe um comentário
em Carnaval, Cena Brasileira, Entretenimento, Música, Organizações, Religião Tags:bloco afro, Carnaval 2015, Carnaval baiano, Curuzu, Ilê Aiyê, liberdade, Praça Nelson Mandela, Saída do Ilê
ALBENÍSIO FONSECA
A saída do Ilê Aiyê, com seus três mil integrantes e uma multidão de turistas e foliões, voltou a converter a Rua do Curuzu, na Liberdade, em Salvador, na sua mais legítima passarela – e até a Praça Nelson Mandela, no Plano Inclinado (já convertida em Circuito Mãe Hilda) -na tomada de assalto cultural do Carnaval 2015, no sábado à noite. O maior espetáculo da negritude brasileira, contou, também, com as presenças do governador Rui Costa, do prefeito ACM Neto e da atriz e apresentadora de televisão, Regina Casé.
O governador e o prefeito foram recebidos por vaia, atribuídas ao “atraso e ao genocídio da PM contra a população negra”, como explicou um dos manifestantes. ACM Neto, contudo, postou-se em frente ao público expressando que as vaias não eram para ele, em desafio de popularidade, e foi intensamente aplaudido. Logo em seguida, foi necessária a ação da PM para superar um pequeno conflito de exaltados, entre o público, enquanto a Band’Aiyê esquentava os tambores e metais.
Após a cerimônia religiosa reservada, presidida pela mãe de santo Hildelice Benta, ialorixá do Terreiro Ilê Axé Jitolu, aconteceu o ritual público com a participação da Deusa do Ébano, Alexandra Amorim, de Itapuã – bairro também habitado por grande contingente de afrodescendentes da cidade – em tradicional evocação pela paz na festa, com milho branco e soltura de pombas brancas, em frente ao Terreiro. Algumas pombas voaram para posar nos turbantes das figuras femininas emblemáticas do Ilê Aiyê.
A cerimônia, por si só, é uma atração do bloco em seus 41 anos de existência. O tema do “mais belo dos belos” deste ano abordou a “Diáspora Africana – Jamaica – Afrodescendentes”. Com seu fascinante cortejo, o Ilê desfilou, inicialmente, ate a Praça Nelson Mandela, na entrada do Plano Inclinado Liberdade-Calçada. Dali seguiu para o desfile já na madrugada de domingo, no Campo Grande, o que voltou a fazer na segunda-feira, porém no início da noite. Na terça-feira, a apresentação ocorreu no Circuito Batatinha, no Centro Histórico de Salvador.
A um só tempo, o tema mantém o desenvolvimento do estudo antropológico desenvolvido pelo Ilê sobre a diáspora africana, este ano com ênfase na Jamaica e celebrou a abertura, em 2015, da Década Internacional promovida pela ONU até 2024, para “Pessoas afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”. O objetivo da Organização das Nações Unidas, segundo Antonio Carlos dos Santos Vovô, presidente da entidade, “é reforçar o combate ao preconceito, à intolerância, à xenofobia e ao racismo, razões que também norteiam os princípios da nossa atuação”.
O Ilê Aiyê voltou a homenagear a ialorixá Mãe Hilda, mãe de Vovô, sacerdotisa do candomblé e dirigente espiritual do bloco, além de guardiã da fé e da tradição africana na Bahia, falecida aos 86 anos, em 2009. Em 2015, o Ilê Aiyê confirmou a tradição como divulgador da cultura afro brasileira, tomando as ruas em forma de um espetáculo rítmico-musical e plástico, marcado pelo som de atabaques e tambores e pela alegria dos seus associados, turistas e foliões. Como outras organizações carnavalescas da cidade, o bloco mantém atividades sócio educativas, sem apoio do poder público.
05 out 2014 Deixe um comentário
em Cena Brasileira, Livros, Notícias e política, Organizações, Religião, Urbanidades Tags:5 de outubro, Antonio Conselheiro, Canudos, Cesar Zama, Euclydes da Cunha, guerra de Canudos, história do Brasil, Os Sertões, República
Históricas fotos de Augusto Flávio de Barros
Albenísio Fonseca
O dia 5 de outubro data a queda do arraial de Canudos, no sertão da Bahia, sobre a qual Euclides da Cunha escreveria a tragédia inaugural da República brasileira e Cesar Zama desnudaria os fatores envolvidos para dizimar o povoado, erguido na fazenda abandonada de Garcia D’Ávila.
Se considerarmos as permanentes tentativas retrógadas frente ao duro avanço social no país, é correto afirmar o quanto a primeira crise da República está de volta. Canudos não se rende. O dramático extermínio da experiência pioneira de uma comunidade popular, sob o comando do beato Antônio Conselheiro, após rechaçar os ataques de três expedições do Exército, entre 1896 e 1897, levada a efeito pelo novo regime implantado no País, permanece irresolúvel na consciência dos brasileiros.
Com o relato de Euclydes da Cunha, ao narrar parte de toda a epopeia em Os Sertões, sendo contestado em inúmeros aspectos por diversos autores, é inevitável compreender o quanto, antes, o Brasil era Canudos. Hoje, Canudos é o Brasil. O território, palco daquela aventura mística e bélica, permanece vivo na contemporaneidade, ainda que submerso para dar lugar ao açude de Cocorobó, em 1966.
Quem quiser interpretar, à luz da história, a guerra travada em quatro intermitentes batalhas entre os seguidores do beato Antônio Conselheiro e os cinco mil soldados do Exército, precisará trazer à memória o mais sangrento dos conflitos já ocorridos no Brasil. Um episódio cujo paralelo histórico pode ser estabelecido na destruição de Cartago pelos romanos.
Há quem considere o desfecho das Guerras Púnicas (264 a.C.-146 a.C.) o maior caso de genocídio da Antiguidade. Se, em outros momentos, os romanos combinavam força militar e diplomacia, neste caso não tiveram qualquer clemência. A ordem, seguida na expressão latina “delenda est Carthago” (“Cartago deve ser destruída”) foi executada com tamanho rigor que as casas foram demolidas, grande parte da população foi morta, os sobreviventes transformados em escravos e, sobre o solo, depositado sal para que nada germinasse. Tamanho foi o estrago em Cartago que não sobraram muitos registros sobre sua civilização, convertendo-se em enorme desafio para historiadores e arqueólogos desvendarem, minimamente, o modo de vida que havia ali.
No caso de Canudos, ou Belo Monte, contudo, conforme o escritor César Zama, baiano de Caetité, no artigo publicado no Diário da Bahia, em 1899, “a justiça estadual não se ocupava dos habitantes daquele arraial. Contra eles não havia instaurado processo algum. Nos cartórios do Estado nenhum deles tinha o seu nome no rol dos culpados. Nada de extraordinário se passava com relação a Antonio Conselheiro e aqueles que o acompanhavam”.
Ao denunciar o genocídio, Zama faz ver o quanto “ninguém ignora que gênero de vida levavam os canudenses: plantavam, colhiam, criavam, edificavam e rezavam. Rudes, ignorantes, fanáticos talvez pelo seu chefe, que reputavam santo, não se preocupavam absolutamente com a política. Antonio Conselheiro, porém, confessava-se monarquista. Era seu direito, direito sagrado, que ninguém podia contestar em um regime republicano democrático. Não há ato algum por sua parte ou dos seus que fizesse ao menos presumir que ele tentasse contra o governo da República”.
As desobediências civis à cobrança de impostos e ao casamento civil instituído pela Constituição de 1891 faziam parte da sua pregação, iniciada por volta de 1870 ao promover mutirões para a construção de igrejas e cemitérios no interior do Nordeste. O atraso na entrega de madeira, adquirida em Juazeiro, para a construção do telhado de um templo no arraial, 26 anos depois, se converteria em revolta e no estopim para a mancha sangrenta que se incrustaria na história republicana.
As autoridades de Juazeiro se recusaram a mandar a madeira que Antônio Conselheiro adquirira para cobrir a igreja de Canudos; os “jagunços”, então, decidem tomar à força o que haviam comprado e pago. Avisado das intenções dos homens de Conselheiro, o governo do Estado manda que em Juazeiro se organize uma força que elimine o foco de “banditismo”.
A primeira expedição contou com 100 homens, comandados pelo tenente Pires Peneira. Foram surpreendidos e derrotados pelos jagunços no povoado de Uauá.
A segunda expedição dispôs de 500 homens, comandados pelo major Febrônio de Brito e organizados em colunas maciças. São emboscados pelos jagunços em terrenos acidentados, no Morro do Cambaio e em Tabuleirinhos.
Entre os líderes da resistência destacam-se João Grande e Pajeú, este último considerado por Euclides da Cunha um gênio militar. Reduzidas a 100 homens, as tropas do governo decidem retornar.
A terceira expedição teve 1.300 homens, comandados pelo coronel Moreira César, armados com canhões Krupp, importados da Alemanha, mas sem estratégia definida. Chegaram em fevereiro de 1897 e optaram por atacar o arraial de Canudos de frente, a partir do Morro da Favela. Protegidos pela irregularidade do relevo, os jagunços empreenderam a luta no corpo-a-corpo e desorganizaram as tropas, que na retirada desastrosa deixaram para trás armas, munições, os canhões Krupp e o próprio general Moreira César, morto após ter sido ferido em combate. Moribundo, cravou a máxima: “É tempo de murici, cada um que cuide de si”.
A quarta expedição, planejada no Rio de Janeiro, então capital federal, mobiliza cinco mil homens, comandados pelos generais Artur Oscar, João da Silva Barbosa e Cláudio Savaget. Contavam, ainda, com tropas da Bahia e da Paraíba. São divididos em duas colunas. A primeira é cercada pelos jagunços no Morro da Favela e tem de se socorrer da segunda coluna que, vitoriosa em Cocorobó, mudara de estratégia, dividindo-se em pequenos batalhões.
Após três meses de cerco, as duas colunas tentam um ataque maciço. Conseguem tomar boa parte do arraial, mas os soldados, aos farrapos, sem distintivos, mal resistiam à fome e à sede. Em agosto de 1897, oito mil homens deslocam-se para a região, comandados pelo próprio ministro da Guerra, o marechal Carlos Bittencourt. O presidente da República era Prudente de Morais (1894-1898), primeiro civil a ocupar o cargo.
São cortadas as saídas de Canudos, o abastecimento de água é interrompido com a tomada da aguada a que tinha sido reduzido o rio Vaza-Barris. Um tiro de canhão atinge a torre da Igreja. Firmes, confiantes na salvação eterna, os sertanejos não se rendem. A maioria seria degolada após o assalto final. Perpetrava-se ali, dessa forma, o crime de uma nacionalidade inteira, no dizer de Euclides da Cunha, que não conseguiu acompanhar o embate final, do Morro de Uauá, de onde escrevia suas reportagens para o jornal A Província de São Paulo, hoje O Estado de São Paulo, mais tarde refundidas em Os Sertões.
Em meio ao disparate da mobilização das forças expedicionárias para combater a crença e a fé de uma comunidade que compunha a segunda maior concentração populacional da Bahia, após a capital, com cerca de 25 mil habitantes, vale, ainda, registrar o episódio da rendição de milhares desses habitantes durante o enfrentamento à quarta expedição. A iniciativa foi do braço direito de Conselheiro, o Beatinho.
Ergueu bandeira branca e dirigiu-se à negociação. Chegado à presença do general Arthur Oscar expôs-lhe o propósito: “venho declarar-vos que grande número de meus companheiros estão dispostos a render-se, contanto que V. Exa. lhes garanta a vida” foram a suma de suas palavras.
“Sob minha palavra de honra prometo que as suas vidas serão respeitadas: podem vir tranquilos”. Responde-lhe o chefe das forças legais. Mas o que ocorreria com a rendição, senão a degola de todos, idosos, mulheres, crianças, para consagrar um heroísmo desmerecido? Sim, Canudos permanece vivo.
17 fev 2014 Deixe um comentário
em Carnaval, Cena Brasileira, Entretenimento, Notícias e política, Religião, Urbanidades Tags:Festa de Itapuã, Itapuã, Lavagem de Itapuã
22 nov 2013 1 comentário
em Cena Brasileira, Notícias e política, Organizações, Religião, Televisão, Urbanidades Tags:Brasil, mídia, Programas religiosos, Religião na tv, Telespectadores, televisão
Albenísio Fonseca
Não é só de replicação da barbárie cotidiana que vive a TV aberta no Brasil. Outro “fenômeno” que se evidencia abusivo é a ocupação dos horários, de modo intermitente, por programas religiosos, no que se tem convencionado designar por igrejas eletrônicas, notadamente as do viés evangélico, sejam a Universal, Mundial, Renascer ou da Graça de Deus.
“Em nome de Jesus”, tanto na TV quanto no rádio, país afora, o proselitismo de pastores visa acima de tudo conquistar novos adeptos. Contudo, o que se expande não são apenas os programas religiosos, exibidos nas emissoras comerciais em horários vendidos às igrejas e organizações religiosas pela considerável cifra dos R$ 500 mil a R$ 1 milhão mensais, mas, sobretudo, o número de emissoras religiosas: Rede Vida, Rede Canção Nova, Rede Família, Rede Boas Novas, Rede Gospel, Rede Super, etc, etc… Algo superior a 15 redes, com emissoras espalhadas por todo o pais, sob cobertura nacional via satélite. Sim, e em que pese as 142 possibilidades de enquadramento religioso previstas pelo censo.
Outro dado significativo é o de que, “coincidentemente”, a predominância desses tipos de programações – a que explora a violência e a que ilude sob o manto da fé religiosa – ocorrerem em emissoras vinculadas a estas igrejas, notadamente a Record – uma broadcasting da Igreja Universal do Reino de Deus.
Na conclusão a uma pesquisa feita em 114 nações e divulgada em 2010, o Instituto Gallup mostra a correlação entre o grau de religiosidade da população e a renda per capita: “Quanto mais religiosos são os habitantes de um país, mais pobre ele tende a ser”. Na contraface da pesquisa do Gallup, a sociologia sempre apostou na tese de que a pobreza é que facilita a expansão da religião.
Segundo o monitoramento da programação das redes de TV aberta da ANCINE, a religião foi o principal gênero de programação na TV aberta brasileira em 2012 – chegando a 13,55% da programação, a frente dos gêneros variedades (10,45%), telejornais (10,43%), musical (8,48%) e o telecompras (7,51%). Em alguns casos, o problema é mais grave, como na Bandeirantes (17%), CNT (37%), Record (23%), Rede TV (38%) e Gazeta (15%).
Conforme o noticiário, desde o último sábado (9/11), a Rede 21 inseriu na programação os programas produzidos pela IURD TV, produtora da Igreja Universal do Reino de Deus, substituindo a WS Music, da Igreja Mundial do Poder de Deus. A substituição aconteceu também no espaço que o grupo possuía nas madrugadas da Band. As mudanças são mais um capítulo da briga entre o bispo Edir Macedo e o apóstolo Valdemiro Santiago por espaço na mídia brasileira.
Mundial e Universal disputavam nos últimos meses o contrato com o grupo Bandeirantes e, no fim das contas, o apóstolo Valdemiro Santiago foi desbancado pelo bispo Edir Macedo. Especula-se que o despejado tenha uma dívida de R$ 21 milhões e a inadimplência teria gerado o rompimento do contrato. O líder religioso despejado estaria pedindo R$ 200 milhões em indenização. Negocia-se também um retorno à grade em janeiro, quando as duas igrejas passariam a dividir o espaço da programação.
Antes do rompimento, a Igreja Mundial controlava 21 horas diárias de programação na Rede 21, e as madrugadas (3h-6h) da Band. Estas últimas, negociadas em 2011 em uma jogada que retirou o pastor Silas Malafaia (Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo) da emissora paulista. As noites da emissora são divididas também com a Igreja Internacional da Graça de Deus (do pastor R.R. Soares).
O Projeto de Lei de Mídia Democrática, defendido pelo Movimento de Democratização da Comunicação, prevê a proibição de arrendamentos de horários em concessões públicas de TV, veda a outorga a instituições religiosas e limita o tempo de veiculação de conteúdos religiosos.
A denominada Igreja Eletrônica expandiu-se no Brasil a partir da década de 80. Seu formato, desde sempre, preconiza a trilogia “reza, cura e salvação”. A salvação é oferecida, como diríamos de uma mercadoria, em púlpitos de templos miraculosos e na vitrine desses programas (já não mais em outro mundo).
Porém, via de regra, e até ungindo celulares, o que os pastores pretendem e têm conseguido, são as contribuições financeiras dos seus rebanhos de incautos, mas fiéis ouvintes e telespectadores – esses mesmos, os cordeiros em sacrifício.
24 jan 2011 3 Comentários
em Arte, Carnaval, Cena Brasileira, Globologia, história, Livros, Notícias e política, Organizações, Religião, Urbanidades Tags:escravidão, liberdade, luta, malês, rebelião, Revolta, salvador
Albenísio Fonseca
Madrugada de 25 de janeiro de 1835. Denúncia dos libertos Domingos Fortunato e sua mulher, Guilhermina Roza de Souza, mobiliza o aparato policial em Salvador. As autoridades tomaram conhecimento do plano, à noite, adotando de imediato medidas para a repressão.
A rebelião dos escravos malês tendia a implantar um califado como regime de governo ao decidirem rebelarem-se na alvorada daquele domingo. O movimento rebelde, contudo, e como todas as revoluções, acabara traído, gerando o destroçamento dos revoltosos, surpreendidos pelas forças policiais do império em um sobrado na Ladeira da Praça, e com outros grupos, provenientes do Corredor da Vitória, sendo dizimados no confronto com forças policiais na área de Água de Meninos.
O fenômeno do negro muçulmano é um dos fatos mais curiosos da história social brasileira. Trazidos a partir dos séculos XVIII e XIX, os negros oriundos do Sudão Central compuseram significativo coeficiente no conjunto dos escravos no período regencial. Segundo Arthur Ramos, em O negro na civilização brasileira, eles eram “altos, robustos, fortes e trabalhadores. Usavam pequeno cavanhaque, mantinham vida regular e austera, e evitavam misturar-se com os demais escravos”.
Denominados de malês, os muçulmanos também eram conhecidos por mucuim, muxurimim, muçulimi, muçurumi. Monoteístas, não eram idólatras, mas usavam amuletos com versículos do Alcorão, escritos em árabe. Possuíam conselheiros ou juízes chamados de Alufás, a quem ouviam e respeitavam.
Os cinco primeiros anos da década de 1830 na Salvador escravista foram marcados por distúrbios de rua, motins antilusos, saques, revoltas federalistas – como a Sabinada – além de quarteladas e revoltas escravas, em meio à crise econômica do período regencial. Os malês, que falavam e escreviam em Árabe são tidos como responsáveis pelas revoltas de escravos na província da Bahia, em 1807, 1809, 1813, 1816, 1827 e a rebelião dos Malês em 1835.
Alguns historiadores atribuem o 25 de janeiro daquela ano ao dia de Nossa Senhora da Guia, uma das comemorações de maior atrativo popular à época, quando uma multidão deslocava-se até o Bonfim (então um bairro rural). A cidade esvaziada seria presa fácil para a tomada de assalto. Outros realizaram a conversão da data para o calendário muçulmano, correspondendo ao final do mês do jejum do Ramadã, numa data inclusive muito próxima da festa do Lailat al-Qadr, expressão traduzida para os idiomas ocidentais ora como Noite da Glória, ora como Noite do Poder. A estratégia era um “folguedo” para matar todos os brancos.
Com formação intelectual, ao contrário dos demais contingentes de escravos trazidos à Bahia, os malês dispunham de hierarquia social estruturada. O livro “Rebelião Escrava no Brasil” (Ed. Brasiliense), de João José Reis, é a maior referência de estudo sobre a rebelião. “Malês” seria um terno criado já na vivência em terras brasileiras e que designaria “aqueles que ensinam”. Outros historiadores apontam a origem na expressão “imalê” correspondente a muçulmano, em iorubá.
Embora o islã não seja uma religião étnica – por se pretender universalizante – pode ter-se tornado exatamente isso no cenário histórico de janeiro de 1835. Pela devoção dos integrantes às escrituras sagradas do Alcorão, a rebelião dos malês é vista como uma “jihad”, uma guerra santa. Na Bahia, o islã estava identificado com certos grupos étnicos, como os nagôs e haussás. Segundo João José Reis, “os filhos de orixá reservaram um lugar especial para os filhos de Alá em sua mitologia”.
Grande parte da documentação dos malês foi destruída ou extraviada, até mesmo pela própria polícia da época que sequer sabia ler. Existem ainda, arquivadas, partes do Alcorão apreendidas em mãos dos revoltosos, e tabuletas que eram apenas exercícios de caligrafias. Não há, no entanto, depoimento ou documento que sinalize o que significaria a tomada do poder sob uma hegemonia muçulmana. Há indícios de que manteriam contingentes negros como escravos. O legado da confluência de religião, política e festejo, contudo, este ficou para sempre no espírito baiano. Se você veste branco às sextas-feiras; se usa abadá no carnaval, saiba… tudo isso é herança malê.
Em O sacrifício do carneiro – uma radiografia da presença islâmica em Salvador, livro-reportagem para graduação em jornalismo, disponível para leitura na íntegra em www.facom.ufba.br/pex/luizcarlossouza.doc, Luiz Carlos Souza (tendo como orientador o professor Renato da Silveira), faz amplo apanhado sobre a presença muçulmana e narra detalhes fundamentais do confronto. Leia:
– O movimento de saveiros vindos do Recôncavo era intenso naquele fim de tarde, 24 de janeiro de 1835. Havia um clima de expectativa. Muitos negros, escravos ou alforriados, chegavam para juntar-se a um tal Ahuna, um clérigo muçulmano de origem nagô.
O destino, contudo, inseriria sua dose de ironia. Talvez algo que remeta ao fatalismo islâmico. Maktub. Está escrito. A companheira de um dos líderes da rebelião seria aquela que levaria aos ouvidos brancos a notícia do levante rebelde.
A liberta nagô Sabina da Cruz, amigada com Victorio Sule (Salomão) tivera uma briga feia com o parceiro naquela manhã. Provavelmente, a tensão do guerrilheiro, e o voto de silêncio que os amotinados fizeram o impediam de contar o que quer que fosse à “esposa”, que provavelmente deve ter passado a conjecturar. Teria o “pai dos seus filhos” resolvido abandoná-la?
Acossada pela dúvida, a mulher foi trabalhar. Ao retornar à noite, depois de um dia de trabalho, (vendia comida na Cidade Baixa) encontrou a casa de pernas para o ar. Victorio, não estava. Fora embora levando as suas roupas. A mulher saiu desesperada na busca de Sule, e o localizou na casa de uns pretos de Santo Amaro à rua do Guadalupe.
Ela parece ter chegado à casa de Manoel Calafate, quase ao pé da Ladeira da Praça. Victorio estava ali, jantando com o maioral Ahuna, provavelmente na preparação dos últimos detalhes para a guerra prestes a acontecer.
Sabina não chegou a ver o companheiro naquela noite, mas tivera um áspero diálogo com uma negra de nome Edum:
– Só vai ver teu homem quando os africanos forem senhores desta terra!
– falou Edum, barrando a entrada de Sabina na casa.
– No outro dia eles vão ser senhores de surra, não da terra
– respondera a desafiadora companheira de Sule.
Aparentemente, não há explicação para a atitude de Sabina. Sabedora do prestígio que uma amiga, Guilhermina Roza de Souza, gozava entre os brancos foi procurá-la, para que esta prestasse serviço à ordem senhorial. Munida das informações, Roza, segundo João Reis:
dirigiu-se a André Pinto Silveira, seu vizinho branco, e lhe contou o que sabia. Na casa de Silveira, também estavam Antônio de Souza Guimarães e Francisco Antônio Medeiros, que se encarregaram de informar as novidades ao juiz de paz do 1.º Distrito da freguesia da Sé, José Mendes da Costa Coelho.
Este imediatamente correu ao palácio para denunciar os fatos ao presidente, e lá chegou acompanhado do Comandante da Guarda Municipal Permanente, coronel Manoel Coelho de Almeida Sande, e do comendador José Gonçalves Galião, um rico proprietário.
Estes acontecimentos tiveram lugar aproximadamente entre 9 e 10 horas da noite de sábado, 24 de janeiro. Precisamente às 11 horas e ‘um quarto de noite’, por exemplo, o juiz de paz da freguesia da Conceição da Praia recebia um aviso do presidente da província ordenando-lhe que rondasse seu distrito com patrulhas dobradas, em razão da denúncia
Após várias devassas em vão, os juízes de paz da Sé e suas patrulhas chegaram ao sobrado de dois andares na Ladeira da Praça. Tratava-se da casa de número dois, na qual os insurrectos davam os últimos retoques no plano.
Numa das janelas do andar térreo estava Domingos Marinho de Sá, que havia sublocado o lugar a dois africanos libertos – Manoel Calafate, de origem nagô, chamado pelos demais de “Pai Manoel”, o que evidenciava prestígio de mestre malê na maçonaria negra. O outro era Aprígio, um dos prosélitos de Calafate, carregador de cadeira e vendedor de pão.
Naquela madrugada, Domingos foi encontrado por uma patrulha sentado à uma das janelas do sobrado. O grupo, formado pelos juízes de paz da Sé e soldados, exigiram revistar a casa, mas nervosamente, Domingos dissera que os únicos africanos presentes eram seus inquilinos. Insistia no bom comportamento de ambos, mas não convenceu às autoridades. O alfaiate mulato não estava colaborando com o centro nervoso da rebelião por livre e espontânea vontade. Tentava salvar a vida da mulher e filha, e a dele próprio, tendo sido ameaçado pelos guerrilheiros.
Apesar da resistência de Domingos, os soldados tiveram acesso ao interior do prédio, de onde saíram cerca de 60 pretos gritando em bom português: “Mata soldado”, além de palavras de ordem gritadas à maneira de sua terra. A invasão à casa de Calafate ocorreu à uma hora da manhã, quando os rebeldes contavam com pelo menos com mais três ou quatro horas até o início do levante. “Agora vamos nos levantar, por que não tem remédio”, esta foi a frase ouvida pelo escravo Pompeu, que viera do Recôncavo para se juntar ao grupo.
A guerra começara em frente ao sobrado. Embora alguns rebeldes tivessem morrido ali mesmo, conseguiram desbaratar os surpresos adversários. Os insurgentes feriram cinco pessoas, entre os quais um tenente e um soldado, o último mortalmente ferido. Um africano foi morto a cacetadas, e o outro com uma bala na cabeça. Um deles era o companheiro de Sabina da Cruz, Vitório Sule, “que morrera fazendo a guerra em Guadalupe”. Maktub.
O plano original era atacar a cidade nas últimas horas invisíveis da madrugada. A precipitação nos planos, causada pela denúncia, fez com que os grupos se dividissem e fossem bater às portas das casas, avisando aos companheiros que a rebelião estava em curso. Parte do grupo seguiu para a Rua da Ajuda, onde fez repetidas tentativas de arrombamento da cadeia. A intenção era libertar o mestre malê Pacífico Licutan. De nação nagô, Licutan estava preso como garantia de uma dívida, contraída pelo seu senhor.
Como não havia cometido nenhum crime, podia receber visitas, sem maiores restrições, o que deve ter facilitado a sua participação na organização do levante. Estimado pela comunidade muçulmana da época, a libertação do alufá era um dos objetivos do levante, por isso o ataque à cadeia.
O insucesso no assédio à prisão fez com que saíssem ao Largo do Teatro, onde puseram a correr uma pequena força formada por oito soldados regulares. A capital ainda estava aparvalhada com a ousadia dos guerrilheiros. Apesar da incompleta surpresa, as forças repressivas não esperavam estratégia similar à de 1830. Tanto é que no início da batalha, na casa de Calafate, apenas dois soldados tinham armas carregadas e prontas para atirar.
O próximo objetivo seria juntar-se ao grupo de revolucionários da Vitória, mas para isso, teriam que passar pelo Forte de São Pedro. Como a meta não era atacar o quartel, não conseguindo passar pela artilharia, protegida pelos muros do prédio, tiveram que recuar.
Foi a vez dos rebeldes da Vitória darem continuidade ao plano, vindo encontrar a primeira onda de rebeldes em frente ao Forte. O chefe de polícia, que tinha seguido para o Bomfim, recebeu aviso de que os insurrectos estavam atacando a cidade e marchavam para Água de Meninos, em direção ao quartel da cavalaria.
Após estender a cavalaria em linha de combate e aquartelado soldados armados, para fazer fogo aos insurgentes, era apenas uma questão de espera. Minutos depois, ali chegavam os guerrilheiros. A estratégia dera certo. O combate fora desigual.
Armas de fogo disparadas por soldados de dentro do quartel, contra espadas e uma ou outra garrucha, além de cavaleiros hábeis contra uma infantaria a pé e destreinada. Cerca de 40 africanos morreram no embate, ficando outros tantos feridos. Houve quem tentasse fugir a nado, muitos aparecendo depois afogados. Estava debelada a insurreição.
Os malês optaram por uma guerra contra o poderio oficial estabelecido. Não consta que matassem senhores ocultamente ou lançassem mão de artifícios como incêndios ou assassinatos da população civil, medidas desumanas, mas que talvez contribuíssem para lançar o caos sobre a cidade. Parece que a mão de Alah se estendera sobre mulheres e crianças brancas daquela Cidade da Bahia, em 1835. A harb, a autodefesa islâmica legitimada no livro sagrado, impede o ataque a indefesos.
A única notícia de incêndio é fornecida por Nina Rodrigues. “Assim, das seis para as sete horas da manhã, saíram seis negros, armados e vestidos em trajes de guerra, os quais lançaram fogo à casa do senhor e tentaram rumar para Água de Meninos, onde para logo foram mortos”. Evidentemente, tratavam-se de retardatários, que saíram às ruas ignorando o levante já sufocado. Os últimos a irem para o massacre.
Albenísio Fonseca é jornalista