O Brasil não é para amadores. Só para profissionais. Mas a Estética é a da Fome, Severina.

Resultado de imagem para power to the people

O Brasil, tão estúpido, foi mesmo

capaz de eleger Bolsonaro, como mostravam os memes.

O antipetismo é um equívoco social e político.

Ao tentar segregar, a direita busca impor uma hegemonia fascista, sob economia de lesa-pátria

O eleitorado, induzido à granel e por atacado.

Do ponto de vista institucional e midiático, com o mercado (templo do capitalismo) na balança, sob uma conjuntura global de guerra econômica, em meio ao jugo pesado da águia e do urso, players do imperialismo, sob desvantagem educacional e cultural, analfaômega – os poderes se apoderaram da legitimação com suas jurisprudências de pensamento único, Congresso sem foco, Executivo desvirtuado, judiciário partidarizado, militares policializados, bem entendido, o Brasil parece ter trocado a vocação antropofágica pela autofagia.
À Tropicália pelo credo no engôdo.

A ruptura operada pelo golpe na vida, se preferir no imaginário, nacional, rompendo o contrato de legitimação da eleição de 2014 e aprisionando o ex-presidente Lula, poderia ser suturado nessa nova eleição. Com o resgate da linha evolutiva política da Nação. Em tempo: vale lembrar que Movimentos (termo caro às tendências artísticas), em política designam insurreições voltadas para compromissos com os setores excluídos, e não para o entreguismo, militar inclusive, de excluir ainda mais. Reformas? Só as de base.

O povo no poder – “Power to the people” – foi uma bandeira dos anos 60, tremulada por John Lennon.
Agora, mais que reivindicação, o embate é no âmbito de uma esfera pública digital.

e-D.

O poder em rede. Ciberativismo. “Não toquem na minha Internet”, exclamariam.

Mas o ambiente ainda é analógico. Na Terra em Transe vivemos sob o confronto
entre o dragão da maldade contra o santo guerreiro ou de Deus e o diabo na terra do Sol.

Mas a alegria dos palhaços é ver o circo pegar fogo, à moda dos museus.
Ensandecidos contra a Arte. Reacionários de toda performance, reprimidos da sexualidade
passeiam à tarde entre os girassóis. E nós? Os mutantes são demais. Face a face com o imutável.

Afinal, até quando a mazela política há se de sobrepor às manifestações culturais?

À maravilha das expressões artísticas, da pesquisa, da inovação, em regime de economia criativa, sob o zelo do patrimônio histórico e natural, dada a cidadania a atuar pela gestão da riqueza de que o país é dotado, digo, El-Dourado, com o intuito de contemplar toda à população?

No país dos sonhos

ocorre uma Democracia Participativa.

Por norma, não se transfere a representatividade.

Mas o cenário que se abrirá com um novo presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais eleitos, inaugurará nova correlação de forças no campo político, entre articulações desvairadas, não digo que devastadas, sob enorme clamor & silêncio da mídia, suponho, assegurada ainda mais a insegurança jurídica, sob o velho signo dominante, de classe, digo, castas, cara a cara com a nossa indigitada miséria histórica.

Regidos pela tecnologia do compartilhamento na era industrial da remoção de conteúdos.

E olha que não sou nada religioso,

mas dei para evocar:

– Deus me livre! E guarde!

Materialista, ainda bato na madeira: toc toc toc.

Albenísio Fonseca

Espelhos ovais ou, o narcisismo microscópico

Espelhos ovais ou, o
narcisismo microscópico
Albenísio Fonseca

É quase inacreditável, mas aqueles pequenos espelhos ovais ainda existem, melhor, subsistem. Reencontrá-los numa loja de bijuterias foi como acionar a maquinária da memória, transitar no túnel do tempo de volta à infância. Lembrei de sujeitos se deliciando com aquelas mulheres nuas posando no forro, na contraface. Miravam muito mais às mulheres que a si próprios. Havia os que faziam coleção: louras, morenas, ruivas. Negras eram raridades, num claro reflexo do preconceito. O estímulo à “masturbação da imagem”, o retoque rápido de um ideal de si, acessório imprescindível para narcisos da modernidade, era a imagem – direta e invertida –, proporcionada pelos pequenos espelhos ovais.

Fetiches. Permitiam a visão parcial do corpo. Sensações fragmentárias. O riso pela metade. Apenas um olho a cada mirada. Bric-a-brac da sedução, kitsch, caco sucateado dos aparelhos produtores da fascinação e do desejo. Ideais para espremer cravos, espinhas e provocar reflexos com o sol. O brilho remetido à distância. Projeções e provocações. A superfície especular, ovalada, proporcionando o ajuste do penteado. A otimização da imagem. Contemplação exacerbada. Narcisismo microscópico.

E aquelas mulheres ali, impressas com toda a carga de um erotismo travesso – duplo de calendários expostos em barbearias e borracharias. Precursoras da própria nudez em revistas masculinas. Sorridentes, com os seios e o sexo à mostra, em primeiro plano. Anteriores ao cinema pornô. Ícones do prazer e do poder masculinos.

Objetos. A mulher, antes. E, somente depois, espelho. O que se deseja ver, senão o próprio desejo? Ali estava, oval, a um só tempo, pornográfico, estético e acessível, táctil, sedutor, pedagógico. Melhor que os “catecismos” e outros manuais de introdução à sexualidade. Espécie de estampas Eucalol do escracho.

Microuniverso de imagens ilustrativas, suas capas ou forro não se restringiam à sedução com nudez escancarada. Um repertório de imagens com escudos de times de futebol, paisagens bucólicas, santos católicos, artistas e animais ferozes ou domésticos compunha o processo de interação com o imaginário social.

Dispostos às dezenas, como aparelhos de TV, no coração de vitrines, em tabuleiros de camelôs, pareciam ímãs atraindo narcisos. Manipulados por usuários ávidos, os espelhos ovais eram instantâneos, como se diria, hoje, de um celular: em lugar de comunicar através da fala, possibilitava o acabamento, a correção, o retoque da imagem, ou da memória da imagem. Tornar-se-iam facilmente recomendáveis como ideais para assessores de políticos em campanha, empresários, embaixadores.

Justificando-se, também, é certo, pelo fato de que todas as formas portáteis têm, antes, um caráter aristocrático. Ecologicamente corretos, os espelhos ovais já ocuparam mesmo momentos de evidência na transitoriedade cíclica da moda, usados por jovens, crianças, idosos, e tantos mais, chofer de caminhão, taxistas, balconistas, muitos artistas, bancários, ciganos e contrabandistas. Rapidamente acessível nas bolsas de senhoras e domésticas, recatadas e atrevidas, era um acessório imprescindível.

Uma máquina minimalista de investimento na construção da personalidade e na capacidade de fascinar. Batons e pentes acompanhavam a utilização do pequeno espelho. Dado o cuidado e a intimidade com que costumava ser conduzido, era extremamente visível o quanto havia de mais afetividade e simbiose entre o“espelho/objeto /mercadoria/aparelho/máquina” e seu proprietário, que entre corpo e mente, numa aliança com a “ideação reclusa” em cada um, como diria o filósofo Evaldo Coutinho, em seu “O lugar de todos os lugares”, editado pela Perspectiva.

“Narcisos afogados na paixão pela imagem”, acrescentaria o professor gaúcho  Donaldo Schuler, fazendo trafegar o seu Narciso Errante, estudo publicado pela Editora Vozes. Como o Narciso de Ovídio. Ou, do mesmo modo, em plena contemporaneidade, seduzidos pelos incessantes simulacros a brotar na luminosidade das telas de vídeo, em televisões e computadores.

Tomemos a expressão “o visual é essencialmente pornográfico”, de Fredric Jameson, estudioso do marxismo e da pós-modernidade. Como sabemos,“graças às manobras de prestidigitação da publicidade”. Na mesma linha (marxista e pós-moderna), o professor Muniz Sodré assegura o quanto “ver é também tocar, absorver”.

Pornográficos, e para além da estipulação de Jameson, os espelhos ovais proporcionam todo o direito a contemplar bundas, seios, xoxotas – em oferta, com ar de convite à fruição e, imediatamente, no outro lado, na outra face, o próprio rosto, encarando-se num cara a cara.

É o desejo que está fixado na superfície visível da imagem/suporte/capa, quase-envólucro, epiderme do produto em circulação na sociedade utilitarista (e não apenas no caso dos espelhos ovais). Sim, o “espelhinho” proporciona um narcisismo recar-regável a cada nova mirada.

Funcional, como um relógio descartável. Um dispositivo de arrebatamento. Cuja finalidade essencial é a fascinação irracional, mas objetivada, num paradoxo especular. Para Jameson, “a sexualização dos objetos, desencadeando a mercantilização universal das coisas e dos seres, num processo geral de reificação do mundo pela sua capa visível, estabelece dimensões estéticas que determinam o estatuto da Era da Imagem. Tudo é estética, design. Tudo é cultura. Redes de imagens”. A hipótese central dele é a de que “as obras de cultura de massa não podem manipular a menos que ofereçam um grão genuíno de conteúdo, como paga ao público prestes a ser manipulado”.

Nos espelhos ovais estão embutidos, e deles podem emergir mais que objetos e seres – como do ilusionismo da cartola de um mágico ou da computação gráfica – mas sentimentos e sensações como espantos, vaidades, receios e prazeres do autorreconhecimento e reconhecimento das coisas familiares.

Sua manipulação admite circunvoluções, a exemplo de uma câmera de cinema ou vídeo, permite diferentes ângulos de visões (com direito a plongées e contreplongées, mesmo quando só é possível o close-up) em torno do sujeito, numa autêntica envolvência narcísico-afetiva, capitulando à Esfinge da nossa (!) exclusiva excitação retínica.
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Albenísio Fonseca é jornalista, poeta e compositor. Autor de “Jornalismo Cultural em Transe – Épocas em cena”. Editora Boa Ideia, 2017.