Salvador com serviço de transporte por bondes elétricos no final do século XIX
Bondes permaneceram preferidos frente aos ônibus até meados do século XX
Sob tração animal, Gondolas inauguram o sistema de transporte coletivo em Salvador
Albenísio Fonseca
A história do transporte urbano que atravessa Salvador começa em meados de 1845, há 173 anos. Uma lei municipal concedia o privilégio de se estabelecer companhias de ônibus ou gôndolas (espécie de diligências, como vemos nos filmes de bang-bang, porém maiores e puxadas por quatro animais). Sobre um dos animais ia sempre o cocheiro. O preço da passagem era de uma pataca ou 320 réis. As cadeiras de arruá – que conduzia os aristocratas no período colonial, até podem ser arroladas na história dos sistemas de transporte, mas sem as características de condução em massa.
Os antigos guindastes, criados pelos jesuítas, que faziam o transporte de cargas e mercadorias, também no período colonial, foram transformados em planos inclinados e passaram a transportar passageiros – como o Guindaste dos Padres, transformado no Plano Inclinado Gonçalves. Somente seis anos depois de aberto a concessões, já em 1851, teria início o serviço regular de bondes com duas linhas: uma da Cidade Alta até a Barra e outra, das Pedreiras até o Bonfim.
Um elevador incrustado na rocha
As concessões foram transferidas, logo em seguida, para o negociante Antônio Francisco de Lacerda. Ele fez mais que explorar tal sistema. Decidiu implantar um elevador ligando as duas partes da cidade. Para tanto, importou material da Inglaterra e montou os elevadores, que funcionariam através de sistema hidráulico, cuja inauguração ocorreria em dezembro de 1873. É claro, em meio a uma grande festa popular – não esqueça que estamos em Salvador.
O Elevador Hidráulico da Conceição, conhecido popularmente como “Parafuso”, por ter sido construído “incrustrado” na rocha, seria o primeiro elevador da cidade e, para alguns, pioneiro em todo o mundo, consolidando-se em marco técnico desta rede de transportes e símbolo do processo de modernização urbana. O Elevador do Taboão, denominado de “Balança”, além de passageiros, transportava cargas e seria construído em ferro 23 anos depois, mas permanece desativado há décadas.
Elevador Lacerda era conhecido por “Parafuso” e o Guindaste dos Padres, transformado em plano inclinado
Revolução Industrial e eletricidade alteraram
os sistemas de transportes no mundo
O aparecimento do transporte público de modo quase simultâneo em várias cidades do mundo decorreu da revolução Industrial. A produção de bens, até então feita de forma artesanal ou semiartesanal, nas próprias casas dos trabalhadores e com ferramentas rudimentares, passou a ser realizada com a ajuda de máquinas e ferramentas especiais que ficavam nas fábricas, obrigando os operários a se deslocarem diariamente de suas casas para o novo ambiente de trabalho.
Com o advento da eletricidade, o mundo mudaria ainda mais, proporcionando enorme propulsão ao desenvolvimento do transporte coletivo. Em 1897, Salvador seria contemplada com a revolução energética, possibilitando a substituição da tração animal pela eletrificação nos bondes, quando foi inaugurada, também festivamente, a primeira linha de bondes elétricos, explorada pela Companhia de Veículos Econômicos, ligando a região do Comércio a Itapagipe. É importante salientar que Salvador foi a segunda cidade do país a dispor do sistema eletrificado. Até então, o serviço fora adotado apenas no Rio de Janeiro, então capital federal.
O Elevador Lacerda também sofreria mudanças em seu mecanismo hidráulico, substituído por um elétrico em 1908. Após a inauguração do serviço elétrico na Cidade Baixa, a Cia. Linha Circular foi autorizada a utilizar o mesmo sistema na Cidade Alta. A partir daí, o traçado dessas linhas passou a determinar o direcionamento da expansão urbana na primeira capital do país. Em 1910, Salvador contava com considerável quantidade de linhas eletrificadas que atendiam às partes Alta e Baixa da cidade. Em 1911, surge o bonde-salão, um veículo de luxo para recepções a altas autoridades em visita à cidade, casamentos, batizados e solenidades diversas. Surgiram, também, os carros fúnebres e o bonde-assistência, utilizado para o transporte de doentes.
1912 e 1930 são anos marcantes na história da capital
Ano marcado pelo bombardeio da cidade por ordem do presidente Hermes da Fonseca em decorrência da competição pela sucessão no Governo do Estado entre Rui Barbosa e J.J. Seabra – em 1912 tem início, ainda que de modo precário, a operação dos ônibus em Salvador. O bonde, todavia, permanecia como a melhor alternativa de transporte. Porém, as companhias que operavam o modal dependiam da importação de materiais e componentes e sofreriam grande abalo no período da I Guerra Mundial, de 1914 a 1918, o que acarretou considerável queda nos serviços e fortes críticas da imprensa. Em Salvador, as intervenções urbanas promovidas por J.J. Seabra, visavam “apagar os rastros da cidade escravocrata”, promover uma “higienização”, torná-la em uma pretensa urbis moderna.
Dois fatos são extremamente marcantes em 1930: a reforma do Elevador Lacerda que impingiria sua atual forma monumental – com uma nova torre externa em concreto, traços verticais art déco e duas novas cabines mais rápidas, ligada por uma ponte de acesso em aço sobre a Ladeira da Montanha e o “quebra-bonde”, promovido por usuários e populares em protesto contra os maus serviços e reajuste na tarifa. Durante dois dias, tocam fogo em cerca de 87 bondes em diversos locais da cidade. A empresa acionaria o governo pelos prejuízos e, mesmo obtendo ganho da causa não coloca mais bondes em serviço. Com isso, durante bastante tempo Salvador foi uma das cidades mais mal servidas de transportes urbanos do Brasil.
O futurismo do elevador Lacerda e as marinetes
O arquiteto e urbanista Paulo Ormindo de Azevedo, em seu parecer como membro do conselho consultivo do patrimônio histórico e artístico nacional do IPHAN, que tomba o elevador Lacerda como patrimônio nacional em 2006, enfatizaria: “O novo elevador Lacerda parece inspirado no Movimento Futurista, que buscava uma estética da máquina e da velocidade. A visita do poeta italiano Marinetti ao Brasil, exatamente em 1927, provocou um grande reboliço no Sul e em especial no Nordeste, onde os recém-lançados ônibus passaram a ser conhecidos como marinetes. O tratamento art déco dado à torre, inspirado nos princípios aerodinâmicos dos aviões, expressa bem a velocidade do elevador que fazia o percurso de 60 metros em apenas 17 segundos”.
Necessário lembrar que o primeiro manifesto futurista, o Manifesto del Futurismo, foi publicado em 1909 no tradicional jornal francês Le Figaro. O texto ressalta a velocidade, a juventude e o futuro: “Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. […] O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo o absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente. […] nós não queremos mais nada com o passado, nós, jovens e fortes futuristas. […] Olhem para nós! Ainda não estamos extenuados! Nossos corações não sentem cansaço algum, porque se alimentaram de fogo, ódio e velocidade!…”
Cerca de 600 ônibus foram depredados contra reajuste na tarifa
Novo quebra-quebra danifica 600 ônibus e tem 10 incendiados
Somente em 1955, 25 anos após a crise de 1930, a Prefeitura baixaria decreto considerando “em crise” os serviços de transporte urbano. Seis anos depois, já em 1961, os bondes começam a entrar em extinção, sendo paulatinamente substituídos pelos ônibus. Em 1957 é inaugurado o serviço de trólebus – ou ônibus elétricos – na Cidade Baixa, em tentativa de substituição aos bondes, mas, já nessa época, a participação da iniciativa privada através de lotações e ônibus se fazia fortemente presente no atendimento à demanda de passageiros.
A expansão do sistema de transporte coletivo por ônibus se expandiria nos anos seguintes, mas a regulamentação do serviço de transporte coletivo só viria a ocorrer em 1971 e, somente a partir daí se desenvolveriam estudos, planos e projetos de transporte para a cidade. Em 1981 é iniciada a construção da Estação da Lapa. Em agosto daquele ano, a exemplo do ocorrido em 1930 com os bondes, também por conta de reajuste na tarifa, acontece o “quebra-quebra” de ônibus em Salvador, deixando um saldo de três mortos, dezenas de feridos, 600 ônibus danificados e 10 incendiados.
Como reflexo da reação popular, em novembro é criada a STU-Secretaria de Transportes Urbanos e estabelecida uma tarifa única para o serviço de ônibus. Em 1984 é implantado o sistema tronco-alimentador de integração fechada no Terminal EVA que, dois anos depois, em 1986, é substituído pela centralização com a Estação Nova Esperança. Também neste ano é lançado o projeto Bonde Moderno que teve algumas estruturas iniciadas, mas não chegaria a ser concluído. Ainda assim, já entre 1989 e 1992, adota tráfego exclusivo por vias como Bonocô/Vasco da Gama, viadutos Posto São Jorge, Raul Seixas e Chico mendes e erguidas as primeiras passarelas de acesso ao sistema nas avenidas Bonocô e Vasco da Gama, entre outras.
Adoção da tecnologia dos cartões inteligentes
Rumo ao final do século, em 1992, o sistema de transporte por ônibus passa por intensa renovação da frota, com as empresas adquirindo novos e modernos veículos, inclusive os “duplicados” e os com ar-condicionado que ganham o apelido de “frescões”. Em 1995 é construída a Estação Pirajá e reformulado o sistema tronco-alimentador na região das Cajazeiras, por onde a cidade se expandia. Um ano depois é implantado o processo de bilhetagem eletrônica, com a adoção da tecnologia do cartão inteligente, ou Smart Card. Inicialmente era destinado aos estudantes que ganham o direito à meia-passagem; aos beneficiados pela gratuidade no transporte e, já no século 21, entraria em operação o vale-transporte.
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